|
De cada 100 pacotes de sabão
que as donas de casa brasileiras usam para lavar roupa, 80 saem de fábricas
da Gessy Lever, a filial brasileira da Unilever. Só uma das cinco
marcas da Lever - Omo - é responsável pela metade das vendas
nacionais.
E então? Existe alguém
nesse mundo capaz de desafiar tamanha hegemonia? Resposta: a americana
Procter & Gamble.
O Brasil é hoje o principal
palco de uma encarniçada disputa que há mais de duas décadas
vem sendo travada entre os dois mais poderosos marqueteiros globais.
O que está em jogo é
a futura supremacia no mercado mundial de sabão em pó, avaliado
em 40 bilhões de dólares. A senha da mais recente batalha
da espuma foi o lançamento simultâneo no Brasil, Argentina
e Chile do Ariel, a marca líder em vendas da americana P&G.
Ao trazer a novidade para o Cone Sul, a P&G fincou uma estaca em territórios
até agora inexpugnáveis de sua arqui-rival, a anglo-holandesa
Unilever. As marcas da Lever detêm acima de 80% das vendas no Chile
e na Argentina. Nunca antes a Lever fora desafiada neste canto do mundo
pela ofensiva de um competidor com o fôlego da P&G. A cada ano,
a P&G investe acima de 5 bilhões de dólares para promover
suas 300 marcas em 140 países. É, segundo a revista Advertising
Age, o maior anunciante do mundo, seguido pela própria Unilever,
com 3,4 bilhões. |
|
O que parece ser uma prolongada,
ruidosa e caríssima cruzada, considerando os gastos de cada parte
com campanhas publicitárias e promoções no varejo,
começou com um episódio hilariante. Quando ainda esboçava
sua campanha de lançamento na Argentina, o pessoal da P&G foi
surpreendido por uma maratona de comerciais na TV. "Ariel, Ariel, Ariel",
entoava o locutor. Só que o produto anunciado nada tinha a ver com
detergente para roupa. Era uma tampa de vaso sanitário produzida
por uma empresa local. Em pouco tempo, o Ariel passou a ser identificado
como acessório de banheiro. Alegando ter encontrado indícios
de que havia ali o dedo da concorrência, a P&G denunciou a Unilever
por suposto financiamento da campanha à Comissão Nacional
de Defesa da Concorrência. "Sempre rechaçamos tais acusações",
diz Estanislau Amaral, diretor corporativo da Gessy Lever. Segundo ele,
a filial argentina tem colaborado com as autoridades para elucidar o caso.
Este é certamente o mais ameaçador,
mas não o primeiro assédio que o Omo sofre da concorrência.
Trata-se da megamarca que, depois da Coca-Cola, gera mais receita para
uma companhia no Brasil (acima de 500 milhões de dólares
anuais). E é também, há quatro anos consecutivos,
a marca mais lembrada pelos consumidores brasileiros, segundo pesquisas
do instituto Datafolha. Isso não tem preço mas, tempos atrás,
a Lever a avaliou em 2 bilhões de dólares. A sonora marca
é a sigla de Old Mother Owl (Velha Mamãe Coruja). Foi assim,
com o "m" estilizado na forma de uma coruja, que Omo surgiu na Inglaterra,
nos anos 40. Com o apelo de modernidade -- o primeiro sabão em pó
à base de matérias-primas sintéticas --, a novidade
chegou ao Brasil em 1957, quando as donas de casa começavam a trocar
o artesanal sabão em pedra e o tanque pela máquina de lavar.
Tornou-se, desde então, imbatível nas prateleiras.
Em 42 anos, nenhum outro concorrente
conseguiu abalar essa liderança. O desfecho foi fatal para o último
desafiante. Só para lembrar: numa campanha de 1996, o Quanto, então
o sabão da Bombril, chegou a oferecer o dinheiro de volta às
consumidoras não satisfeitas com os resultados de um teste de lavagem.
Era uma tentativa desesperada de romper a barreira de fidelidade das consumidoras
ao Omo. Em vão. Poucos meses depois, a Bombril constatara, na ponta
do lápis, que enfrentar o Omo não compensava. Consumia 50%
de seus gastos com propaganda, mas gerava apenas 23% do faturamento. A
Bombril bateu em retirada e vendeu suas fábricas e marcas para a
P&G. "É briga de cachorro louco", diz João Alves de Queiroz
Filho, presidente da Arisco. "O Silvio Santos e a Globo é que deveriam
fabricar sabão." Em 1998, a guerra da espuma consumiu 46,5 milhões
de dólares em investimentos de mídia -- o dobro de 1994.
Mais conhecida por seus produtos alimentícios, a Arisco também
disputa espaço nas prateleiras de limpeza. É dona da Biju,
acomodada no nicho das marcas baratas. Ainda que na periferia dessa rinha,
há fortes rumores de que a Arisco será a próxima a
passar para a frente o negócio de sabão. Júnior nada
comenta a esse respeito.
Desde que adquiriu, por 103 milhões
de dólares, as unidades da Bombril, cada passo da P&G passou
a ser detidamente monitorado pelo concorrente. Num negócio de alta
rentabilidade proporcionada pela escala, em que cada ponto percentual vale
acima de 10 milhões de dólares, todo cuidado é pouco.
Sabe-se que executivos de uma força-tarefa da Gessy Lever foram
enviados ao México para estudar as estratégias do concorrente
no mercado latino-americano em que o Ariel detém a maior fatia de
liderança (35%). Até as caixas registradoras também
sabem que a Lever, de um ano para cá, vem intensificando negociações
com as principais redes varejistas a fim de reservar as melhores frentes
de gôndolas para sua marca líder. "Sobre negociações
comerciais, eu não falo", diz Waldemar Machado, diretor comercial
do Pão de Açúcar. "Posso dizer que o setor está
batendo palmas." É fácil entender por quê. Está
se repetindo na prateleira de sabão em pó o efeito Arisco.
Uma estratégia bem-sucedida da Arisco perante os varejistas foi
justamente lançar produtos em gôndolas dominadas por uma empresa.
"É claro que, nesses casos, a chegada de um concorrente facilita
as negociações e ajuda a combater preços excessivos",
diz Machado.
Por ora, o Ariel ainda é tem
peso pluma na balança da montanha de pó superior a 400 000
toneladas de sabão comercializadas no Brasil a cada ano. Sua participação
no bimestre março e abril, medido pela Nielsen, é de 0,6%.
Uma pesquisa feita pelo Painel Ibope aponta 6,7% na semana de 3 a 9 de
maio. "Se esse percentual se consolidar no período de um mês,
terá sido um excelente avanço", disse a EXAME um pesquisador.
Vai levar tempo, não vai ser
fácil nem barato", diz o venezuelano Edward Jardine, presidente
da filial brasileira e das operações da P&G no Cone Sul.
"Mas estamos dispostos a investir o que for necessário para ter
uma presença destacada nesse mercado." Oficialmente, a empresa informa
estar aplicando 120 milhões de dólares neste ano e no próximo
para sustentar seu lançamento. Sua meta a curto prazo é elevar
de atuais 12% para 20% sua participação somadas suas duas
outras marcas: Ace e Bold.
Terá o Ariel chance de se
tornar um rival importante do Omo - ou, ao contrário, será
mais uma Pepsi, eterna promessa de concorrência para a Coca no Brasil?
Isso só o tempo - e, é claro, as consumidoras - dirá.
Mas convém prestar atenção no que aconteceu na Europa,
um mercado que hoje movimenta vendas de 9 bilhões de dólares
anuais. Até vinte anos atrás, ali reinavam as marcas da Unilever
- entre elas o Omo. Desde então, o Ariel estabeleceu um padrão
de dominância. Os pacotes da P&G chegaram a vender até
50% mais do que todas as marcas da Unilever juntas. Fez isso armando uma
estratégia na contramão. Em vez de operar fábricas
descentralizadas em cada país e sustentar diferentes marcas, como
fazia a Unilever, construiu três megaplantas. Com isso, extraiu vantagem
competitiva conferida pela sinergia de escala e de uma única estratégia
de marketing no continente.
Outro fator que deve influenciar
a trajetória do Ariel no Brasil é a habilidade com que a
Lever reagirá ao oponente. A fabricante do Omo tem duas alternativas:
abrir mão de parte da rentabilidade investindo em mais publicidade
e preços promocionais ou assistir de camarote e correr o risco de
perder pontos de mercado. Ao que tudo indica, a Lever já fez sua
opção. "É nossa intenção fazer com que
eles tenham o maior prejuízo da história de Cincinatti",
afirma Antonio Kriegel, diretor de detergentes, ao se referir à
cidade do estado americano de Ohio onde se localiza o QG da P&G. Segundo
Kriegel, a companhia está disposta até a triplicar a verba
anual de 30 milhões de dólares destinada à publicidade
do Omo. "Vai sempre depender de quanto eles gastem", diz. "Não vamos
deixar brecha". Um dos riscos apontados por um ex-executivo internacional
da Unilever, ouvido por EXAME, é que uma eventual queda do Omo no
Brasil arrastaria, como num dominó, mercados de outros países.
"Já vi esse filme na Europa", afirma. "O Brasil é a jóia
da coroa da Unilever na América Latina e será compelida a
defender sua hegemonia." Suas cinco marcas geram vendas de 1,5 bilhão
de reais ou quase 40% do faturamento da filial.
Se experiência contar pontos,
a P&G tem mais de um século e meio de estrada, com erros e acertos.
Mas dificilmente terá acumulado tantas trapalhadas quanto em apenas
uma década no Brasil. São erros dignos de figurar numa antologia
de horror empresarial. Comprou uma fábrica de sabonetes obsoleta,
a Phebo. Perdeu dinheiro tentando vender fraldas sofisticadas demais para
o orçamento médio das famílias brasileiras. Cometeu
falhas graves na distribuição de seus produtos.
A P&G expatriou executivos monoglotas
que preferiam tratar com clientes e fornecedores fluentes em inglês.
Trocou quatro vezes de presidente nesse período. Perdeu para a Colgate
o negócio do século no ramo de pastas de dentes no Brasil:
a aquisição da Anakol, detentora da marca Kolynos. Conclusão:
investiu 500 milhões de dólares projetando chegar ao novo
milênio com um faturamento de 1 bilhão de dólares em
vendas. Em 1998 só colhera pouco acima da metade desse valor. "Até
aqui foi um período de aprendizado", diz Jardine. "Agora estamos
atravessando grandes mudanças corporativas e, nesse novo contexto,
o Cone Sul se tornou prioritário."
Por quê? Sucede que a P&G,
um gigante que fatura 37 bilhões de dólares mundialmente,
tem um problemão. Precisa cumprir uma promessa feita em 1997 para
os investidores de Wall Street: dobrar para 70 bilhões de dólares
seu faturamento até 2005. Só que não está mais
conseguindo sustentar sua histórica taxa de crescimento de 8% anuais.
Em 1998, ela caiu pela metade. Sua participação em importantes
segmentos vem sendo erodida. Vinte anos atrás, a P&G dominava
70% das vendas de fraldas. Hoje possui só a metade disso. Uma de
suas marcas mais tradicionais, o sabonete Ivory, lançado em 1879,
detém apenas 5% de participação. O Dove, marca global
da Unilever, tem 20%.
Diante disso, ampliar a receita das
vendas internacionais tornou-se uma meta crucial. Potencial é que
não falta. Americanos e europeus gastam 40 dólares em média
a cada ano com suas marcas. Mas no resto do mundo o consumo por habitante
de seus produtos é de apenas 2 dólares. Só nos países
emergentes, como o Brasil, a companhia espera adicionar 1 bilhão
de dólares à sua receita anual.
Quem está conduzindo essa
estratégia é Durk Jager, o novo CEO da P&G. Uma de suas
primeiras decisões, ao assumir o posto em janeiro passado, foi partir
a companhia em sete divisões de negócios. Cada uma opera
de maneira independente. De origem holandesa, Jager, de 56 anos, já
foi comparado ao general Patton por sua agressividade nos negócios.
Numa recente reportagem, a revista Fortune mostrou como ele está
mudando rapidamente o estilo de uma das mais conservadoras empresas americanas.
Tal como Doug Ivester, o CEO da Coca-Cola, Jager pode ser visto em supermercados
inspecionando gôndolas de suas marcas de fraldas e detergentes. Um
dos lemas correntes na P&G nos últimos tempos é: encorajar
a coragem. Outro: acelere a tomada de decisões. Para uma empresa
que sempre fora engessada por manuais, isso representa uma forte mudança
de hábitos. "O que interessa a Jager são resultados", diz
Jardine.
Com tudo isso, parece que a P&G
está finalmente mostrando sua cara no Brasil. Erros começam
a ser passados a limpo. Em dezembro de 1998, as marcas da Phebo foram vendidas
à filial da americana Sara Lee e a fábrica, à carioca
Granado. "Vamos focar o mercado com nossas marcas globais", diz Jardine.
Certas decisões que antes demandariam enormes gastos de tempo e
dinheiro com pesquisas agora têm sido aprovadas velozmente. Uma delas
foi a idéia de distribuir 5 milhões de amostras grátis
do Ariel para consumidores em dez diferentes canais -- como brinde de revistas
femininas e listas telefônicas ao tradicional porta-a-porta em condomínios
da classe média. Outra iniciativa foi um contrato milionário
de patrocínio esportivo selado com o Vasco da Gama. Entre a sugestão,
a negociação e a realização do projeto decorreram
menos de dois meses. Esse tipo de patrocínio, segundo Jardine, é
inédito na história da companhia. Com essas e outras ações
de relações públicas -- como a limpeza do Vale do
Anhangabaú, em São Paulo --, a P&G quer ser identificada
pela população. "Cultivamos uma merecida reputação
de ser uma empresa fechada", diz Jardine. "Agora queremos interagir com
o mercado." Pela primeira vez, a filial participou de uma recente feira
da Apas, a associação dos supermercadistas. O próprio
Jardine tem acompanhado seus vendedores em visitas aos clientes. Ele encontrou
um jeito de simbolizar tais mudanças no ambiente de trabalho. Os
escritórios vão ganhar um novo desenho, sem divisões,
para estimular o trabalho em equipe dos especialistas. Também mandou
vir dos Estados Unidos miniaturas de alces de pelúcia. "Colocar
o alce na mesa" é uma expressão americana que designa a disposição
de enfrentar problemas. Serão condecorados com o mimo aqueles que
demonstrarem atitudes nessa direção.
E o futuro, a quem pertencerá?
A resposta é duvidosa. Até agora, a balança das vendas
mundiais tem pendido a favor da P&G, que afirma ser a detentora de
33% dos volumes de sabão em pó. Mas atenção:
a hipercompetitiva guerra da espuma é movida a inovações.
Ganha a dianteira quem for capaz de seduzir a dona de casa com produtos
cada vez mais eficientes. Na corrida para produzi-los, as empresas não
estão a salvo de fiascos. O caso mais estrondoso foi o Power, uma
versão mais forte do Omo e do Persil, um tradicional detergente
europeu da Unilever. Introduzido em 1994, o Power teve vida curta e seus
estoques foram recolhidos. Motivo: danificava as roupas.
A mesma Unilever deu a volta por
cima no ano passado com um lançamento revolucionário: a versão
Persil Tablet, pastilhas que se dissolvem ao tocar na água. Sucesso
instantâneo. Com essa inovação, a Unilever destronou
o Ariel do pódium no mercado inglês, reduziu a vantagem do
concorrente americano em outros 15 países europeus e ainda obrigou
a P&G a copiar a novidade.
Xeque? |
|