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    Hora de arrumar a casa? Mãos à obra

    Roberta Rossetto e Jaqueline Breitinger


27/09/95 (CD-ROM) 
com adaptações

Há dezenas de produtos mudando de cara.Outros mudando de público.
O objetivo é um só - vender mais
     
    Nos últimos tempos, vários produtos ganharam um rosto novo. Entre os refrigerantes, por exemplo, há aqueles com nova fórmula, como o guaraná Taí, com nova embalagem, como o Brahma, ou com uma comunicação renovada, voltada para públicos mais velhos, como a Fanta e o 7-Up. Sabonetes, como o Lux e o Vinólia, foram brindados com tiragens limitadas, de perfume e embalagens diferentes. Uísques, como o Jack Daniel’s, e vinhos, como o Château Duvalier, tomaram um banho de rejuvenescimento para aprimorar a imagem. A lista poderia seguir em frente, com uma infinidade de produtos. Seja porque o consumidor mudou ou porque che-gou a hora de valorizar mais as marcas, o fato é que há uma enorme onda de reformas em andamento, um movimento que os homens de marketing gostam de chamar de reposicionamento de produto.

    Na Pepsi-Cola, o assunto reposicionamento simplesmente borbulha. Estão sob esse processo vários refrigerantes, entre eles o 7-Up. Sua história pode ser dividida em antes e pós Baesa, engarrafadora argentina que aportou no Brasil em dezembro passado. Antes da Baesa, o 7-Up era vendido apenas em Goiânia e Brasília. Depois, passou a ser distribuído a praticamente todo o país. Antes, enfatizava-se o sabor lima-limão. Agora, trabalha-se com a idéia de um refrigerante mais natural, à base de frutas. "Em vez de posicionar o produto como um refrigerante lima-limão, estamos colocando o 7-Up como a melhor alternativa aos sabores cola e guaraná", diz Gianni Pieraccioni, presidente da Pepsi-Cola Brasil.
    Para enfatizar a imagem natural, Pieraccioni optou por patrocinar esportes e adotou o Botafogo, do Rio de Janeiro. O público-alvo, que sempre foi o adolescente, passou a ser o jovem adulto entre 18 e 28 anos. É ele o mais interessado em não consumir corantes e produtos artificiais. "Queremos ligar a imagem do 7-Up à vida saudável, e não apenas mostrá-lo como um concorrente do Limão Brahma, da Soda Limonada ou do Sprite", diz Pieraccioni.  A estratégia parece estar no rumo certo: de acordo com o instituto Nielsen, o 7-Up tinha, no bimestre abril/maio, uma participação de 8% no mercado total de refrigerantes, contra 0,3% em dezem-bro/janeiro. No Grande Rio, onde o apelo botafoguense é forte, a marca possui agora 27,2% do mercado, contra 0,1% em dezembro/janeiro.

    FIM DA "AMIGA FANTA" — Depois do Real, 30 milhões de novos consumidores passaram a comprar refrigerante. Não é à toa que as empresas desse ramo estão se movimentando tanto. Na Coca-Cola, por exemplo, a Fanta Laranja teve sua estratégia de vendas totalmente reformulada, apesar de ser líder do segmento, com mais de 50% do mercado. Embora o público adolescente seja o maior alvo dos fabricantes de refrigerante, a Fanta sempre teve sua imagem ligada ao público infantil.
    Há quase dez anos, toda a publicidade da marca vinha sendo feita com personagens Disney. A época da "amiga Fanta", porém, chegou ao fim. "Crianças querem consumir produtos que remetam à adolescência, e os teens, por sua vez, não querem nada que lembre a infância", diz Ricardo Ladvocat, diretor de marketing es-tratégico da Coca-Cola. A empresa acredita que, mirando o adolescente, estará acertando também no alvo infantil. Pateta, Mickey e Pluto, portanto, foram deixados de lado. Promoções e degustações em shopping cen-ter, meca dos teens, passaram a ser feitas. Os esforços não foram em vão. As vendas de Fanta Laranja em 1995 cresceram 65% em relação ao ano anterior. A média de crescimento das marcas da Coca-Cola foi de 54%.

    No caso do vinho Château Duvalier, da Bacardi-Martini, o motivo das reformas foi a forte concorrência dos vinhos importados. Alíquotas mais baixas, que permitiram forrar prateleiras de lojas e supermercados com novas opções, fizeram o consumo de vinhos crescer e chegar a patamares recordes. As vendas do Château Duvalier também estavam em crescimento, mas nem de longe na proporção dos importados. No primeiro semestre deste ano, os vinhos estrangeiros cresceram 166% em vendas, contra 31% dos vinhos premium e standard (categorias das quais o Château faz parte segundo o Nielsen).
    Depois da avalanche de importados, os consumidores brasileiros passaram a identificar como um bom vinho aquele cujo rótulo, de cor esmaecida, trazia castelos e brasões —exatamente como o fazem várias marcas im-portadas. O Château não tinha nada disso. "Fizemos uma pesquisa em São Paulo e Porto Alegre, nossos maio-res mercados, que detectava a ligação dos brasões com qualidade", diz Marcelo Izzo, gerente do produto. "Em 27 anos de Château, foi a primeira vez que mexemos no produto."

    PÚBLICO ERRADO — Não foi apenas o rótulo que ganhou novos contornos. A venda desenfreada de vinhos alemães, argentinos, chilenos e italianos levou a empresa a rever seu mix e a lançar mais uma opção, o Semillon, branco e suave. Agora, são oito as versões do Château. Publicidade, degustação e campanhas de cuponagem em supermercados (ofereciam-se cupons de desconto a quem levasse o produto) complementaram a primeira etapa dos esforços para ampliar as vendas do Château. O restante do projeto, ainda sigiloso, será implantado ao longo de cinco anos. A meta é superar o número 1 dos vinhos premium brasileiros, o Almadén. O Château, hoje, corre em segundo lugar. Izzo não revela o crescimento de vendas já alcançado. Diz apenas que a iniciativa elevou em 175% o market share da marca na Região Sul do país.

    No caso do Château Duvalier, não se busca um público diferente daquele que já é consumidor do produto. Os esforços são justamente para tentar manter o freguês atual fiel e não vê-lo migrar para a concorrência importada. Mas, quando o assunto é o uísque Jack Daniel’s, o público a ser conquistado é completamente diferente daquele que já vinha comprando o produto. O uísque esteve voltado para o público errado desde 1990, quando a destilaria americana Brown-Forman começou a divulgá-lo no Brasil. Naquela época, a empresa tratou de vender Jack Daniel’s a quem podia comprar: gente mais velha, com dinheiro no bolso, o consumidor típico do uísque escocês. A faixa etária trabalhada era a de 30 a 45 anos. No mundo todo, porém, o Jack Daniel’s tem como principal consumidor a faixa de 18 a 35 anos. "Essa é a estratégia mundial da marca", diz José Roberto D’Arruda, diretor regional para a América Latina da Brown-Forman. "O Brasil é que estava no caminho errado."
    Ponha errado nisso. Tentar agarrar consumidores mais velhos significava introduzir um uísque de milho americano entre consumidores de uísque de malte escocês. D’Arruda diz que o comprador sabe a diferença e não toma um pelo outro. Ainda bem.  Mas o consumidor confunde-se em outros pontos. Por exemplo: acha que o Jack Daniel’s é um bourbon quando não é. O produto é classificado como um uísque Tennessee. Chamá-lo de bourbon, como se faz com os demais uísques de milho, é quase uma heresia dentro da empresa.
    A diferença está no processo de produção: o uísque Tennessee é filtrado gota a gota em carvão de maple tree, uma árvore da qual se extrai o xarope de maple, muito popular nos Estados Unidos. É nesse processo que o Jack Daniel’s ganha um gosto adocicado, que seus primos da família bourbon não têm. Outra confusão do consumidor brasileiro que a Brown-Forman está tentando dirimir é relativa à suposição equivocada de que o produto é forte e deve ser tomado puro, no melhor estilo caubói. " ‘Beba do jeito que você quiser’ é o nosso lema. Com gelo ou água, o Jack Daniel’s fica suave e adocicado", diz D’Arruda. Assim, a bebida pode atrair não só os jovens mas também as mulheres.

    MÚSICA E ARTISTAS — A empresa pretende corrigir a rota com investimentos de 1 milhão de dólares. Os esforços apenas começaram e não se sabe se o consumidor brasileiro chegará um dia a entender o que é um uísque Tennessee. Pelo menos uma vez por semana uma equipe da empresa vai a um bar e propõe que o po-tencial cliente pague por uma dose de Jack Daniel’s. Assim, concorre a brindes. "Se a pessoa toma a segunda dose, as chances de que se torne um consumidor assíduo são enormes", diz D’Arruda. Há poucos meses, essas rodadas eram feitas em bares de quarentões. Agora, passaram a ser feitas em bares de gente jovem. A idéia é ver crescer não só o consumo, hoje de 45.000 caixas ao ano (o mercado total de uísque brasileiro é de 1,7 milhão de caixas), mas abrir espaço para a chegada de outros uísques da empresa. Quem sabe, também, para a cerveja Jack Daniel’s, hoje em teste nos Estados Unidos.

    Como no caso do Jack Daniel’s, também para o marketing do sabonete Vinólia era fundamental aproximar-se dos mais jovens. As vendas estavam em bom patamar, mas a divisão Elida Gibbs, da Gessy Lever, dona da marca, queria expandir a linha de produtos, principalmente com artigos mais caros do que os sabonetes, na faixa dos 0,48 reais por unidade. As pesquisas mostravam o seguinte quadro: no setor dos sabonetes, quem compra é a dona de casa, e o faz numa média de dez unidades a cada compra. Os jovens simplesmente não têm preocupação com as marcas, já que usam o produto que encontrarem no banheiro. Para completar, as garotas mostravam-se resistentes a usar aquele sabonete que suas mães sempre usaram. Como, então, vencer resistências e aproximar-se das jovens para fazer delas futuras compradoras? Como aproveitar os esforços para fortalecer a marca e lançar produtos mais sofisticados?
    A resposta está no tripé que durante décadas atraiu a dona de casa para o Vinólia: embalagem, perfume e a música clássica que acompanhava os comerciais de TV. A marca passou a patrocinar concertos ao ar livre e lançou edições limitadas de sabonetes, com embalagens desenhadas por artistas plásticos como Aldemir Mar-tins, Cláudio Tozzi e Antonio Peticov. Por três meses em 1994 e novamente em 1995 essas versões  especiais estiveram nas prateleiras. "Nossas pesquisas mostram que os jovens adoram esses sabonetes porque são ousados", diz Maria Cristina Gomes Ferreira, gerente de marketing da Elida Gibbs. A ousadia está nas cores e perfumes fortes das edições limitadas, que dificilmente alguém usaria durante todo o ano, mas que por um curto espaço de tempo fazem sucesso.
    A idéia de ganhar prestígio para que a marca acomodasse lançamentos mais sofisticados foi plenamente alcançada. Já estão no mercado colônias Vinólia e desodorantes de embalagens transparentes, com publicidade voltada exclusivamente para consumidoras jovens. "Garotas não escolhem o sabonete, mas a colônia ou o de-sodorante que usam, sim", diz Cristina. Outros produtos estão a caminho. Deverão engordar o faturamento líquido anual da marca Vinólia, atualmente de 80 milhões de dólares.
    Em 1993, antes dos concertos e dos sabonetes de tiragem limitada, a participação do Vinólia no mercado era de 11,8%. Hoje, o acumulado do ano é de 13,8%. O Vinólia só perde para o Lux Suave, dono de 14,9% do mercado. 
    O sucesso do Vinólia foi tão aplaudido dentro da empresa que o Lux, da Gessy Lever, seguiu seus passos, lançando uma campanha descaradamente parecida. O Lux está com uma edição limitada assinada pela atriz Letícia Spiller, infinitamente mais jovem do que a consumidora padrão do sabonete. Se o sucesso do Lux se aproximar daquele conseguido pelo Vinólia, veremos outro reposicionamento bem-sucedido. Trate-se de  sabonetes, refrigerantes ou bebidas alcoólicas, o fato é que os consumidores estão em constante mutação e é preciso estar atento para não perdê-los.


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