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Marketing
- 16/06/99
Por Adriano Silva Fotos: Kiko Ferrite |
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e pode mudar o panorama dos negócios |
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A geração digital
é também a geração do divórcio no Brasil.
Em 1977, quando seus primeiros integrantes começavam a ser concebidos,
foi aprovada no país a Lei do Divórcio. Hoje, aproximadamente
200 000 divórcios são homologados por ano no Brasil.
A geração digital é também a primeira da História em que os filhos sabem mais que os pais. "Os filhos decidem a compra de uma série de produtos porque entendem muito mais que seus pais a respeito", diz Fábio Abreu, 35 anos, diretor de marketing da MTV. Isso acontece porque os integrantes da geração digital são consumidores desde o berço. Essa precocidade os torna possivelmente os consumidores mais exigentes que já existiram. Nenhum outro grupo de pessoas, em nenhuma outra época, foi tão bombardeado com informações quanto a geração digital. Filtrar os estímulos a que são expostos é uma questão de sobrevivência. "Eles são editores natos e sabem se relacionar com a informação como ninguém antes deles. A geração digital é muito mais crítica que as gerações anteriores. Eles são difíceis de convencer e mais ainda de enganar. Para eles, trabalhar, aprender e se divertir são uma coisa só", diz Abreu. Do grau de compreensão e do talento para captar as sutilezas dessa nova leva de consumidores dependerá a manutenção e, claro, o crescimento das participações de mercado das companhias -- no Brasil e em vários outros países. As empresas terão de aprender a pensar e a sentir como a geração digital. A dificuldade é que a maioria das empresas, especialmente no Brasil, ainda não percebeu o tamanho do problema - ou da oportunidade - que está a sua frente. "As empresas poderão ter problemas se não tomarem cuidado e não posicionarem suas marcas para o futuro. Um garoto que associa uma marca a seus pais tende a considerá-la uma marca envelhecida e provavelmente não vai se identificar com ela. É um risco sério", diz Guimarães, da Philips. No fundo, trata-se da velha lição
de casa do marketing: prever as mudanças que podem ocorrer na demanda
de um produto ou serviço e adaptar a companhia, de modo rentável,
à nova realidade. (A tarefa, que cabe bonitamente em uma frase,
é possivelmente uma das coisas mais difíceis de fazer no
mundo dos negócios.) Só que a geração digital,
com seu corpanzil e sua influência, pode estar transformando o que
era apenas uma frase bonita em um imperativo para as empresas. Aquele blablablá
de que vivemos em uma era altamente competitiva, de mudanças permanentes
e rápidas, em que as companhias precisam colocar seus clientes no
centro daquilo que fazem, adquire cores ameaçadoramente reais -
e urgentes - sob a égide desses milhões de jovens consumidores.
"O perigo que as marcas tradicionais correm é proporcional à
velocidade em que as transformações trazidas pela geração
digital se alastrarem pelo mercado", diz Abreu, da MTV.
Falar com a geração
digital exigirá das empresas mudanças não apenas nas
mídias escolhidas para a veiculação de suas campanhas,
mas também na linguagem utilizada em seus anúncios. "A interatividade
é um pré-requisito. A geração digital quer
diálogo, e não imposição. Eles querem ocupar
função ativa, e não passiva, no processo de comunicação.
Querem participar, querem avenidas de duas mãos, querem produzir
conteúdo e não apenas recebê-lo pronto", diz Abreu,
da MTV. "A geração digital não quer ser guiada. Ela
quer sentir que está no comando."
A Levi's tenta responder a essa demanda dando o máximo de informação a seus consumidores e deixando-os fazer a escolha. "É como se disséssemos: este é o nosso produto. É com você decidir se vai comprar ou não. A atitude da geração digital diante de grandes marcas e de conceitos como 'líder mundial' é: e daí? Precisamos responder de modo adequado e criativo a essa nova realidade", diz Mercedes. Segundo ela, "o relativo desapego da geração digital pelas marcas tradicionais abre espaço para marcas menores e mais focadas nos interesses de pequenos nichos de consumidores. Nós estamos acompanhando essa fragmentação do mercado e pretendemos lançar várias marcas para segmentos específicos nos próximos anos. Até pouco tempo nem sonhávamos fazer isso. A Levi's era uma empresa de uma marca só". Há exemplos concretos de ações de marketing que sejam efetivas em relação à geração digital? Aparentemente, sim. O catálogo da coleção primavera/verão 1999 da Benetton parece constituir um bom exemplo. Trata-se de um catálogo mundial. Ele simboliza a tendência das empresas de realizar cada vez mais ações globais. Esse movimento das grandes companhias parte da premissa de que a Internet matou a distância. O mundo todo fala hoje a mesma língua, variando apenas o sotaque. Um garoto de classe média no Brasil nunca antes teve tantos gostos e valores em comum com um garoto canadense, espanhol ou taiwanês. O catálogo da Benetton retrata a geração digital japonesa vestindo street wear - quem morou no Japão sabe bem dos desfiles que acontecem por lá nas ruas, espontaneamente. Modos extravagantes de vestir fazem parte da realidade cotidiana das grandes cidades japonesas. (O Japão leva o abismo de atitudes e de comportamento entre a geração digital e a geração de seus pais, a geração anos 60, ao paroxismo. Lá, quase não há diálogo entre pais e filhos. Por isso - e também por serem consumidores massivos de alta tecnologia -, os jovens japoneses funcionam como ícones mundiais da geração digital.) O catálogo não tem uma só linha de um texto de vendas tradicional. Não há modelos posando, e sim gente de verdade. Para cada foto, há um depoimento da pessoa retratada, falando de seu estilo de vida, seus sonhos, suas inquietações. É por meio desse investimento na "veracidade", desse tom autêntico, que substitui o palavreado publicitário tradicional, que a Benetton pretende angariar corações e mentes entre a geração digital no mundo inteiro. Além de, é claro, vender roupas. Outro exemplo de diálogo com a geração digital que parece ser bem-sucedido é a campanha mundial da Philips, que estreou no Brasil em outubro do ano passado. Dois de seus filmes, "A Festa de Leon", que anuncia um gravador de CDs doméstico, e "Tudo se ajusta", que mostra uma televisão de tela plana para afixar na parede, representam com eficácia o mundo da geração digital: ausência de texto; imagem e som modernos e dinâmicos; um certo ar desinteressado, de quem quer mais trocar idéias com o espectador do que convencê-lo a comprar um produto. Para falar com a geração digital é preciso levar em conta que seus integrantes não se levam muito a sério nem realizam tanto esforço para fazer sentido. (De certo modo, trata-se da primeira geração efetivamente pós-moderna, por romper com o projeto de lógica e de racionalidade que o Iluminismo cunhou para o mundo.) É preciso, portanto, temperar os esforços de marketing com uma certa esquisitice simpática - que divirta em vez de incomodar -, com alegria irreverente, com boas doses de diversidade. "Leon" e sua namorada são negros. No filme da televisão de tela plana, há uma menina oriental e um rapaz de tipo latino compondo o trio de protagonistas. A Coca-Cola também parece acertar a mão com a campanha mundial da Sprite: "Imagem não é nada. Sede é tudo. Obedeça sua sede". Essa campanha parodia e alfineta a publicidade padrão que costuma chancelar produtos com a imagem de artistas ou esportistas famosos, em vez de fazê-lo a partir do que os produtos são ou têm de verdade. A campanha "Onde tem festa tem Antarctica" é outro exemplo de uma marca tradicional que tenta se reposicionar como a opção natural de uma geração que freqüenta festas, que vive na noite e que adora se divertir. A geração digital vai tingindo aos poucos o mercado com suas cores. "Para a geração digital, a marca não é um nome em um produto. A marca define o que eles pensam, quem eles são, a que grupo pertencem. Funciona como um distintivo", diz Aaron Boey, gerente de marketing da Philips para a região Ásia-Pacífico. "Enquanto as gerações anteriores tinham a percepção de que a marca mais cara era a melhor, a geração digital diz: me dê uma marca em que eu possa confiar. Uma marca que me entenda e não me diga o que fazer", diz Mercedes, da Levi's. Esse perfil de consumidor tem tudo para instaurar no Brasil o consumerismo, que é a definitiva migração do poder no mercado dos que produzem para os que compram. Apesar de todas as evidências, no entanto, há quem acredite que essa discussão sobre geração digital é mera perda de tempo. O argumento é que a moçada vai amadurecer serenamente - e viver a mesma vida e consumir os mesmos produtos e serviços que seus pais. É fato que qualquer poder jovem, por mais ameaçador que seja no ápice, tende a amadurecer. Torna-se então, inexoravelmente, menos ameaçador e menos poderoso. O ponto é que cada geração amadurece de um modo diferente. E deixa, ao passar, seqüelas evidentes na sociedade e no mercado. Não dá para esquecer da geração anos 60 e da reviravolta que operou nos Estados Unidos e em boa parte do mundo. Da pílula ao PC, do rock'n'roll à luta das minorias por direitos civis, da indústria da tecnologia à indústria cultural, o mundo que vivemos hoje é o mundo transformado por eles. A geração anos 60 transformou
o mundo pacato e auto-iludido que recebeu de seus pais no mundo de velocidade
e de conflitos abertos que temos hoje. E, óbvio, influenciou mercados
com a mesma contundência, inaugurando e sepultando empresas, marcas
e produtos em larga escala. Considere isso e você perceberá
o quanto as nuanças geracionais podem ser relevantes. Apostar no
contrário é expor seu negócio e seu produto a uma
situação de alto risco. Especialmente quando o que aparece
no horizonte são milhões de novos consumidores com características
tão distintivas e específicas quanto a geração
digital.
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Prof. Sergio Garrido Moraes Desde 27/07/98 |
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